Lojas vão do físico para o digital e do digital para o físico Redes de varejo tradicional buscam meios para interagir com o consumidor e vender pelo celular, enquanto marcas já consolidadas no ambiente virtual se materializam.

 

Você acorda, um dispositivo acoplado ao colchão já sabe: a noite foi ruim, será preciso dose extra de cafeína. A máquina de café, conectada a ele, recebe a informação e prepara a bebida. O mercado entrega o pão ainda quente por um delivery feito por robôs, acionado, claro, por seu assistente virtual.

A cena é, por ora, fictícia. Mas, para manter a clientela concorrendo com recursos dessa ordem, o comércio físico já se mexe.

Redes de varejo buscam modelos interativos, substituindo recursos físicos por outros intuitivos atrás de “uma experiência que se assemelha à de navegar em um smartphone”, diz Ricardo Pastore, coordenador do Núcleo de Varejo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Mercado com funcionamento autônomo (sem funcionários) aberto em março no Itaim Bibi, o Zaitt materializa isso. Para entrar nele, é preciso escanear um QR code. Depois, é só comprar usando a sacola que será levada para casa. Não há carrinhos ou cestas.

A loja, de 70 m2 e aberta 24 horas, tem 500 itens. O abastecimento é feito pelo Carrefour.

Antes de ir lá, porém, é preciso baixar o aplicativo e fazer o cadastro, com dados do cartão de crédito no qual a compra será debitada. Assim, além de eliminar caixas, a empresa capta dados do consumidor —como fazem empreendimentos vindos da internet.

 

À esq, entrada do mercado Zaitt; à dir., funcionária separa itens pedidos por aplicativo no Pão de Açúcar

 

“As companhias buscam se adaptar. Mas isso depende da natureza do serviço, do produto, da vocação”, diz Maurício Morgado, que coordena o Centro de Excelência em Varejo da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

Dono de um laboratório de inovação, o Magazine Luiza é referência de transformação digital. “Começamos a entender processos da loja e reescrevê-los de forma digital para ganhar eficiência”, diz André Fatala, diretor de tecnologia. Com isso, uma compra que durava até 40 minutos leva 4 —realizada, muitas vezes, no celular do vendedor.

Enquanto compram, 77% dos clientes do Grupo Pão de Açúcar utilizam o celular. Deles, 67% usam os aplicativos Pão de Açúcar Mais e Clube Extra que, juntos, têm 9,3 milhões de downloads. Com eles, é possível reservar lugar na fila e encontrar ofertas de acordo com o histórico de consumo.

De olho nesse público, o grupo comprou a James Delivery, startup de entregas.

A companhia investe ainda em outros formatos de compra. Disponível em duas unidades, o pré-scanning é um sistema em que o funcionário faz o registro de itens com um leitor, gera um código de pagamento e direciona o cliente para o caixa mais vazio.

Com previsão de estreia até o fim do ano, outra tecnologia permitirá ao cliente escanear o código de barras e fechar compra no aplicativo, usando um código QR para sair.

A leitura de código também foi parar em uma loja multimarcas do shopping Cidade Jardim. Nela, um totem exibe itens que não estão nas araras e dá a chance de pagar com código QR, lido pelo aplicativo CJFashion.

Esse é também o nome do ecommerce do grupo, inaugurado há menos de um ano, que reúne 40 mil produtos de 300 marcas.

“Com a experiência, ajudamos os lojistas a criar a grade de produtos”, diz Thiago Alonso, diretor-executivo do Cidade Jardim.

No caminho inverso, a Mobly, loja online de móveis e decoração, inaugurou seu primeiro espaço físico, com 4.500 m2, em São Paulo, um investimento de R$ 6,5 milhões.

Mesmo crescendo 30% ao ano, a marca, como outras que nasceram na internet, investiu no offline. “Varejistas online dos EUA perceberam que se levassem tecnologia e análise às lojas teriam performance maior”, diz João Baccarin, diretor de marketing.

A sensação de segurança ao comprar está envolvida na criação do espaço físico. “O brasileiro só acredita vendo”, diz Sylvia Ferrari, que em novembro vai lançar, no shopping Parque da Cidade, a E-Live, galeria em que empresas online vão mostrar seu trabalho. Ela e os sócios são publicitários que estudam o comportamento do consumidor.

O espaço reunirá 30 ecommerces, de vinhos a pets, que vão usar realidade aumentada para mostrar os produtos, vendidos online. As marcas ficam por três meses.

Pioneira, a loja de roupas Amaro decidiu, há quatro anos, “colher clientes offline”. Assim nasceram as guide shops da marca, em que você experimenta, compra por totens e pode receber em São Paulo em duas horas.

Entre os 16 endereços, alguns têm recursos como ajuste de luz para que se saiba como a roupa fica em diferentes iluminações.

Com dez anos de existência, o site de eletrônicos e eletrodomésticos Girafa abriu há três meses um quiosque no shopping Market Place onde é possível fazer a compra.

“Ter proximidade ajuda na construção da marca. A gente tem feedbacks mais claros”, diz Marcelo Volpe, diretor-executivo da marca, que pretende abrir mais dez quiosques.

(Por Revista da Folha São Paulo)