Filhos não impedem que as mulheres tenham uma carreira. São os maridos.
Em 2013, Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook e uma das mulheres mais poderosas do mundo, publicou um livro polêmico no qual argumentava que um dos segredos do sucesso profissional de uma mulher é escolher um bom cônjuge.
No best-seller Faça Acontecer – Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar (Companhia das Letras, tradução de Denise Bottmann), Sandberg afirma que uma das decisões mais importantes para a trajetória profissional de uma mulher passa pela decisão de morar sozinha ou não, e, caso opte por companhia, encontrar a pessoa certa.
“Não conheço nenhuma mulher que ocupe um cargo de liderança que não conte com o apoio total do seu cônjuge. Não há exceções”, sentencia ela.
Igualdade de gênero
Contrariando a crença popular de que só as mulheres solteiras podem chegar ao topo do mundo corporativo, a número dois do Facebook defendia, num capítulo intitulado Faça de seu companheiro um companheiro de verdade, que a maioria das mulheres em posições de liderança no mundo empresarial tem uma cara-metade. Só que esta é muito bem escolhida.
A ascensão das mulheres às altas esferas corporativas é rara; elas ocupam menos de 20% dos cargos de responsabilidade nas 500 empresas mais importantes do mundo, segundo a lista elaborada pela Fortune.
Na América Latina, 47 das 100 maiores empresas da região não possuem uma única mulher em seu conselho de administração, segundo um relatório publicado em maio pela Corporate Women Directors International (CWDI), um grupo de pesquisa com sede em Washington. Entre as empresas que contam com mulheres em seus altos cargos administrativos, 43% possui apenas uma mulher. Elas representam, em média, apenas 6,4% dos assentos nos conselhos de administração destas grandes empresas da região —no Brasil, a média é de 6,3%. A região está atrás da América do Norte (19,2%), da Europa (20%) e da região Ásia-Pacífico (9,4%).
Essa desigualdade vem sendo associada à preferência feminina por dedicar mais tempo aos cuidados com os filhos e o lar.
No Brasil, 45,9% das mulheres economicamente ativas estavam ocupadas no primeiro trimestre de 2015, enquanto que 67,4% dos homens estavam ocupados, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) realizada pelo IBGE. Em março deste ano, uma tabulação realizada pelo jornal O Globo com dados da PNAD mostrou que, de 2001 a 2013, a média de horas dedicadas pelas mulheres a tarefas domésticas, como cuidar dos filhos e limpar a casa, caiu de 26 para 20 por semana. No entanto, a média dos homens não oscilou e permaneceu em cinco horas.
47 das 100 maiores empresas da América Latina não possuem uma única mulher em seu conselho de administração
Além disso, 85% das mulheres se dedicam a estas atividades, em contraste com os 45% dos homens que colaboram em casa. Ainda segundo a publicação, mesmo aquelas que possuem um alto grau de escolaridade, como mestrado ou doutorado, dedicam mais horas ao trabalho doméstico que os homens, inclusive os que são apenas alfabetizados. “Fizemos uma revolução de gênero pela metade. Saímos de casa para trabalhar, mas os homens não participam das tarefas de casa”, argumentou Suzana Cavenaghi, professora do Programa de Pós-Graduação em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do IBGE.
Em 2014, um estudo publicado na Harvard Business Review demonstrou com dados que as mulheres insatisfeitas com sua trajetória profissional não atribuíam isso a terem deixado a carreira em segundo plano para cuidar dos filhos, e sim ao fato de terem priorizado a carreira de seus cônjuges.
As mulheres ocupam menos de 20% dos cargos de responsabilidade nas 500 empresas mais importantes do mundo
“Se for para procurar um culpado, é a própria sociedade. As mulheres se sentem pressionadas não só por seus cônjuges, mas também pelas instituições e empresas. Pressupõe-se que elas se encarregarão mais dos filhos e das obrigações do lar”, diz por telefone Pamela Stone, uma das três autoras do estudo e professora de Sociologia no Hunter College (Nova York).
Após colher informações de 25.000 ex-alunos da Harvard Business School, na sua maioria graduados no MBA e de diferentes gerações —de 26 e 47 anos—, as pesquisadoras concluíram que 60% dos homens se diziam “extremamente satisfeitos” com sua experiência profissional e suas oportunidades de ascensão, enquanto apenas 40% das mulheres davam essa resposta. Os casados compunham 83% da amostra.
O objetivo do estudo, intitulado Vida e Liderança Após a Harvard Business School, era analisar as aspirações de homens e mulheres graduados numa mesma escola e treinados para assumir posições de liderança, comparando-as com sua situação atual. Ao concluir seus cursos, 75% dos homens esperavam que no futuro suas esposas assumissem em maior medida os cuidados com os filhos; por outro lado, 50% das mulheres anteviam que esse seria o seu destino. Além disso, mais de 70% deles consideravam que suas carreiras teriam prioridade sobre a de suas esposas; quase 40% delas pressagiavam o mesmo.
“Os casais jovens que estiverem pensando em criar um projeto de vida comum deveriam ter uma conversa sobre quais são suas pretensões profissionais e pessoais. É muito importante escolher uma pessoa que respeite nossos desejos”, diz Stone.
Nessa pesquisa, 74% das ex-alunas afirmavam ter um trabalho em tempo integral, com uma jornada média de 52 horas semanais. Entre os motivos para a falta de oportunidades na hora de assumir cargos de responsabilidade, a maioria delas dizia que se sentiram descartadas por causa da maternidade, ou que haviam ficado estigmatizadas após solicitarem horários flexíveis ou jornadas reduzidas durante algum período. Entre as mulheres entrevistadas, 28% haviam tirado, ao menos uma vez, uma licença de seis meses ou mais para cuidar das crianças, algo que apenas 2% dos homens fizeram.
Há alguma característica da mulher que se destaque sobre o homem na hora de comandar um projeto? O relatório Women Matter 2013, elaborado pela consultoria internacional McKinsey, destaca sua capacidade de tomar decisões de forma participativa e seu envolvimento no desenvolvimento das pessoas, entre outras. “Homens e mulheres costumam entrar nas empresas na mesma proporção, mas enquanto eles vão subindo no organograma, elas vão ficando pelo caminho. O networking é muito importante na hora de ascender, e elas não têm acesso”, afirma Custódia Cabanas, diretora da Área de Recursos Humanos da IE Business School (uma das mais reconhecidas escolas de negócios e empreendedorismo do mundo) e coautora de um relatório intitulado As Mulheres na Alta Direção na Espanha.
Desse trabalho, que analisa 147 empresas espanholas com ações em Bolsas, algumas delas no Ibex 35, se conclui que, de um total de 1.735 executivos, 86,5% são homens (1.501) e 13,4% são mulheres (234). Um percentual que fica muito abaixo da meta de 40% de mulheres nos conselhos de administração, como o anterior Governo socialista, de José Luis Rodríguez Zapatero (2004-2011), projetava para ano 2015 com a aprovação da Lei da Igualdade, em 2007. No Brasil, um projeto de lei semelhante, ainda não aprovado, também exige que um mínimo de 40% dos diretores das empresas, públicas e privadas, sejam mulheres até 2022.
Uma das referências femininas dentro do universo das start-ups espanholas é Pilar Manchón, de 42 anos. Em 2013, essa doutora em linguística computacional e executiva do Indisys vendeu por 26 milhões de euros (106 milhões de reais, pelo câmbio atual) a sua companhia de reconhecimento de voz com inteligência artificial para a gigante Intel Corporation. Além disso, Manchón foi contratada pela Intel como diretora do departamento de Voz e Assistência na sua sede de Santa Clara, na Califórnia (EUA).
Antes da venda da companhia, durante a busca por financiamento, Manchón, que escapa dos cânones e conseguiu superar o chamado teto de vidro, viveu um episódio que recorda com ironia. Seu casamento acabava de terminar, e um investidor insinuou que não se sentia seguro entregando dinheiro a uma mulher divorciada e com um filho. “É o mesmo que você faria para um homem”, respondeu ela.
Hoje ela mora na Califórnia com seu filho de 10 anos e garante que as mulheres podem conciliar o sucesso profissional com a convivência em família. “Não é fácil, é uma escolha e é preciso estar disposta a dormir menos”, diz. Ela impôs suas próprias regras, entre elas sua ausência do escritório entre 16h45 e 18h. É o momento de apanhar o filho na escola. Uma semana e meia depois de dar à luz, já estava no escritório. “O desafio é conseguir que tanto as empresas como os maridos nos deem a oportunidade de escolher. Se você quiser, você consegue.”