Aproximadamente 90% de todo o açaí consumido no mundo é produzido no Pará. No entanto, apenas 4% do fruto é aproveitado, sendo que todo o resto – principalmente o caroço – permanece sem uma utilidade definida. Isso acaba provocando a contaminação do meio ambiente regional, visto que não há uma estragéia eficiente de descarte.

Desta forma, foi a partir desta perspectiva que Francielly Rodrigues Barbosa, de 18 anos, resolveu desenvolver um projeto para amenizar o problema ambiental e ainda ajudar os moradores de sua cidade, Moju, a cerca de 120 km de Belém. “O caroço possui uma substância chamada lignina, que impede o ataque de fungos, demorando a decomposição”, ela explica à GALILEU. “Isso causa mal cheiro, chorume e a liberação de gás metano.”

Assim, como aluna da Escola Estadual Ernestina Pereira Maia, Barbosa começou o projeto no primeiro ano do Ensino Médio – agora ela já está cursando o último ano. A inspiração para a pesquisa veio de uma uma professora, que comentou com ela sobre os problemas de odor ruim e rachaduras nas casas de um bairro de Moju.

A jovem descobriu que muitas residências foram construídas em terrenos frequentemente usados como local de descarte de lixo. Como as construções foram levantadas sem regularização, a decomposição acabou afetando as estruturas – e a vida da população. “Comecei a pensar qual material de baixo custo e que não agride o meio ambiente eu poderia aproveitar para fazer a fundação de forma segura”, conta Barbosa. “Não tinha como desenvolver algo que custasse muito dinheiro.”

 

Mulheres na ciência: Reconhecimento

Dessa forma, no desenvolvimento do projeto, ela ganhou uma credencial para participar da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE) de 2018. O evento científico é voltado para jovens e um dos mais importantes do país. Na ocasião, ela recebeu dez prêmios pela pesquisa com o caroço do açaí. “Antes, eu achava que a minha participação nessas feiras não teria nenhum impacto, mas agora eu chego nos lugares e fico emocionada quando adolescentes dizem que não desistiram da ciência por causa da minha história”, ela declara.

Uma das premiações foi uma viagem aos Estados Unidos para conhecer a Universidade de Harvard e o Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês). “Foi sensacional, me senti em um filme de ficção científica. Quando entrei em Harvard, vi o quanto eles investem na tecnologia e educação. Como eu quero que o Brasil se torne assim.”

Em 2019, ela também participou da FEBRACE, onde ganhou mais cinco prêmios. Entre participações em feiras e outros eventos de ciência, ela coleciona mais de 15 prêmios.

Exemplos de tijolos criados por Francielly Rodrigues Barbosa (Foto: Divulgação)

Mulheres na ciência: Construção

Primordialmente, para criar o tijolo de açaí, ela convidou jovens de Moju para ajudá-la. Eles colocaram os caroços para secar, depois carbonizaram e os trituraram em um pilão. A massa resultante foi misturada com argila e carvão para chegar ao produto final. “Foi um trabalho muito divertido”, conta. “Brincar também é ciência. Foi legal para mostrar que a ciência inclui todo mundo, basta querer.”

No momento, enquanto cursa o último ano do Ensino Médio, Barbosa toca sua pesquisa em paralelo. A jovem conseguiu parceria com um laboratório da Universidade de São Paulo (USP), onde estão sendo testadas diferentes fórmulas da mistura com o caroço. A ideia é descobrir em quais porcentagens é possível criar outras aplicações para alvenaria, como telhas, cimento e argamassa. “É para testar a resistência do material. Agora temos um ano para fazer os testes e abranger um pedido de patente”, ela informa.

 

#LugarDeMulherÉNaCiência

Barbosa começou a se interessar por ciência aos oito anos de idade, quando participou pela primeira vez de uma feira científica em sua escola e do Clube de Ciências de Moju. “Vi tantas coisas interessantes que me apaixonei e decidi que queria fazer aquilo”, comenta.

Ela pretende cursar engenharia, mas ainda não sabe em qual das áreas irá se especializar. “Mas com certeza será em uma área de STEM [ciência, tecnologia, engenharia e matemática]”, conta. Barbosa ainda afirma que a participação dela em palestras, congressos e viagens ampliaram seu campo de visão para o ensino superior. “Penso que posso entrar na USP ou estudar no exterior. É tão maravilhoso. Se é possível para mim, é possível para qualquer jovem.”

Para ela, ser cientista significa poder ajudar as pessoas – mas também considera essencial que os jovens cientistas tenham suporte de familiares, amigos e professores. “Peço que as pessoas orientem os alunos a não deixar os sonhos deles morrerem”, ela diz. “Eu tive sorte, pois a minha família sempre me apoiou. Se não fosse isso, eu nunca teria ido para fora do país e conhecido vários cantos do Brasil.”