A Produção da Netflix “YOU” conta a história de rapaz que persegue jovem para além das redes sociais.
Quantas redes sociais você tem e há quantos anos?
Qual é a frequência com que as alimenta com fotos pessoais, de família, dos lugares que conheceu ou da sua comida preferida?
Inegavelmente, é muito bom poder compartilhar as experiências positivas da vida. As redes sociais nasceram da necessidade do ser humano de expor o que pensa, do que gosta, como vive. Todavia, acompanhar outras pessoas também é tentador.
Nos Estados Unidos, onde foi transmitida pela Lifetime, You não foi um fenómeno televisivo. No entanto, não é a primeira vez que as séries ganham nova vida na Netflix. E, neste caso, o sucesso é muito merecido.
A linguagem com que nos convence tem similaridades com outros produtos televisivos. Penn Badgley, que é o inquietante Joe, tem no currículo um dos fenómenos juvenis dos últimos anos, Gossip Girl. You desenvolve-se no mesmo universo, numa Nova Iorque onde Peach Salinger (Shay Mitchell) de certeza se poderia ter encontrado com Blair Waldorf. Porém, se a estética tem similitudes, a narrativa passa por locais bem mais obscuros que a popular série juvenil.
Entenda a trama
Em “YOU” Joe Goldberg apaixona-se por Guinevere Beck (Elizabeth Tail) em segundos. E, praticamente de imediato, faz-lhe uma autêntica perseguição nas redes sociais; consegue descobrir-lhe a morada, os amigos e os hábitos. E, perante a aparência de um prestável, simpático e culto empregado de uma livraria, Beck é enredada numa teia de “acasos” convenientes.
Joe é perturbador, é um sociopata. Se, na ocasião em que se viram pela primeira vez, Beck paga com cartão… a fim de que ele veja o nome dela. Se ela tem um namorado de que gosta, mas que ele considera que não a merece, é preciso tirá-lo do caminho. E assim, sucessivamente, até ao caminho estar livre para eles os dois. Até serem só eles os dois.
Observe o perfil deste “stalker”
Primeiramente, ele é controlador, é possessivo, é ciumento. Para ele, as amigas dela não são verdadeiras amigas. Ou seja, ele é o único feminista que ela conhece, o único que a valoriza por quem ela é. Só ele é que sabe gostar dela, do seu verdadeiro eu. E, por vezes, quase chegamos a acreditar que aquela obsessão é amor.
Não é: Ele nem sequer a ama a ela, mas ama sim a ideia que criou dela. Portanto: Um cliché da donzela em apuros.
Joe é a masculinidade tóxica em pessoa: projeta a insegurança na mulher que supostamente ama, desta forma, não consegue estar de outra forma que não seja o absoluto controlo, não consegue lidar com a frustração e tem de ter tudo o que quer. Será que esta empatia que por vezes sentimos a crescer em nós por este protagonista louco não tem a ver com a familiaridade que temos com muitas personagens, reais e literárias, que incorporam uma certa forma de “cavalheirismo” ostensivo e dominador?
História psicótica com manto de romance
Penn Badgley é muito eficiente na interpretação desta personagem doentia, e a realização consegue criar no espectador várias sensações de ambiguidade: desta forma, You é uma história psicótica com um manto, quente e fofo, de romance. Ou seja, os planos estão cheios de luz solar, de tons quentes. Sorrisos ternos atravessados por flares luminosos, close ups lentos e demorados, corpos enroscados em desvelo apertado. Até que, na cave escura, fria e impessoal, ou nos esgares impulsivos do assassino, finalmente, somos lembrados do verdadeiro caráter da história.
Uma das vitórias de You é a forma como mistura géneros e como, através da componente visual, nos consegue baralhar. Deste modo, o próprio Joe, que corresponde ao conhecido arquétipo de vilão num thriller neurótico, vê-se como ‘o bom rapaz’, em outras palavras, a primeira pessoa que conseguiu compreender totalmente a alma de Beck. Ainda que lhe tenha invadido a privacidade, a casa e os dados online.
No entanto, também há falhas aqui. A certa altura, Beck começa a ser demasiado crédula e ingénua para ser realista. E o traço de desaparecimentos e mortes estranhas em tornos daquelas pessoas começa a ser demasiado grosso para qualquer vista o poder ignorar. Mas, ao fim de cinco ou seis episódios, e tendo em conta o caráter viciante do enredo, nos é impossível desligar a “suspension of disbelief“.
Fonte: https://espalhafactos.com